Por Elisangela Feltrin
Ao longo da história, o feminismo se firmou como um movimento essencial na luta contra as desigualdades estruturais que marcaram e ainda marcam a vida das mulheres em diversas esferas sociais, políticas e econômicas. Ser feminista significa, em essência, confrontar as estruturas patriarcais que historicamente negaram às mulheres seus direitos fundamentais, promovendo a inclusão, a justiça social e a equidade de gênero.
O surgimento do feminismo está ligado às vozes das mulheres que, a partir do final do século XVIII, começaram a se posicionar contra os papéis limitadores impostos pela sociedade. Na esteira da Revolução Francesa, com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, as mulheres passaram a questionar a razão pela qual esses direitos não lhes eram assegurados. Essa fase inicial, conhecida como a primeira onda do feminismo, teve como principal bandeira o direito ao voto, um direito que permitia às mulheres participar da vida política e, consequentemente, lutar por outras transformações sociais. Entre as pioneiras que se destacaram nessa luta estão Susan B. Anthony, nos Estados Unidos; Emmeline Pankhurst, no Reino Unido; e no Brasil, Nísia Floresta, que lançou importantes reflexões sobre os direitos das mulheres em nosso país.
Apesar dos avanços significativos na conquista do sufrágio feminino, as mulheres continuaram a enfrentar diversas formas de desigualdade que ultrapassavam o campo político, adentrando os âmbitos educacional, econômico e social. Na década de 1960, o movimento feminista ganhou nova força na segunda onda, momento em que a pauta ampliou-se para incluir direitos reprodutivos, liberdade sexual, igualdade no mercado de trabalho e combate a estereótipos. Importantes pensadoras, como Simone de Beauvoir, Betty Friedan, Audre Lorde, Lélia Gonzalez e bell hooks, trouxeram à tona a importância da interseccionalidade, demonstrando que a opressão não incide de maneira uniforme sobre todas as mulheres, mas é atravessada por raça, classe, orientação sexual e outras identidades.
A evolução do feminismo culminou na terceira e quarta onda, períodos que enfatizaram a diversidade das experiências femininas e a utilização das novas tecnologias de comunicação para mobilização social. O feminismo contemporâneo, ao utilizar as redes sociais, intensificou o combate ao assédio, à violência sexual e à cultura patriarcal, gerando debates mais amplos e inclusivos em escala global.
No Brasil, a trajetória feminista tem suas singularidades. Desde o século XIX, com o pioneirismo de Nísia Floresta, passando pela conquista do voto em 1932, conquistado com o ativismo de Bertha Lutz, até a redemocratização e a Constituição Federal de 1988, que garantiu o reconhecimento formal da igualdade de direitos entre homens e mulheres, as mulheres brasileiras vêm avançando em sua busca por dignidade e reconhecimento. Porém, apesar das conquistas legais e sociais, a violência contra a mulher permanece como uma das manifestações mais cruéis da desigualdade de gênero, especialmente o feminicídio, que expressa o assassinato motivado por questões de gênero.
O feminicídio revela o lado mais sombrio do machismo estrutural: mulheres assassinadas por ódio, por controle, por posse. É uma violência que se manifesta, muitas vezes, no âmbito doméstico, onde o agressor é conhecido e a vítima, muitas vezes, já havia denunciado as ameaças e abusos sofridos. No Brasil, o reconhecimento jurídico do feminicídio como crime específico só ocorreu em 2015, com a Lei nº 13.104, que incluiu essa qualificadora no Código Penal. Essa legislação foi um passo fundamental para evidenciar que tais homicídios não são eventos isolados, mas o resultado de um sistema social desigual e violento.
Dados alarmantes, como os do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indicam que milhares de mulheres são assassinadas anualmente no país, muitas delas negras, jovens e residentes em áreas periféricas, o que evidencia a sobreposição de vulnerabilidades. O feminicídio é o fim trágico de uma trajetória marcada por negligência, invisibilidade e violência institucional. Ainda que a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, tenha revolucionado o enfrentamento da violência doméstica, é claro que apenas o aparato legal não basta. A transformação cultural, a educação para a igualdade desde a infância e a garantia de políticas públicas eficazes são imprescindíveis para romper com o ciclo de violência.
Movimentos sociais e campanhas internacionais, como “Ni Una Menos” e “#MeToo”, contribuíram para ampliar a conscientização e pressionar por mudanças efetivas. No Brasil, ações como a criação de juizados especializados, casas abrigo e redes de apoio têm representado avanços importantes, embora ainda insuficientes diante da dimensão do problema.
A luta das mulheres brasileiras é marcada por resistência, coragem e esperança. Ser feminista hoje é reconhecer essa história de dor e conquistas, denunciar as injustiças cotidianas e trabalhar por um futuro no qual nenhuma mulher precise silenciar para sobreviver.
Conclusão
A trajetória do feminismo no Brasil, entrelaçada às lutas globais por igualdade de gênero, é marcada por conquistas memoráveis e por desafios ainda urgentes. Se, por um lado, as mulheres conquistaram o direito ao voto, à educação, ao trabalho e à plena capacidade civil, por outro, continuam morrendo simplesmente por serem mulheres. O feminicídio, como expressão extrema da violência de gênero, escancara o fracasso de uma sociedade que ainda hesita em proteger suas cidadãs de forma eficaz.
A inclusão do feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro, em 2015, representou não apenas um avanço legal, mas um grito coletivo que rompeu o silêncio histórico que envolvia essas mortes. Deixou-se de tratar tais crimes como tragédias privadas ou crimes passionais e passou-se a reconhecê-los como resultado de um sistema desigual e opressor. No entanto, a tipificação legal é apenas um dos muitos degraus que precisam ser galgados na escalada por justiça e equidade.
Enquanto mulheres forem assassinadas por se recusarem a obedecer, por decidirem partir, por ocuparem espaços que sempre lhes foram negados, o feminismo continuará sendo não apenas necessário, mas urgente. É preciso investir em educação de gênero, desde a infância, promover políticas públicas integradas, garantir apoio e acolhimento às vítimas e combater, em todas as frentes, a cultura que ainda naturaliza a violência contra a mulher.
Este artigo é uma homenagem às vozes que não se calaram e um tributo àquelas que foram caladas. Que suas histórias nos impulsionem a seguir lutando, até que nenhuma mulher mais precise morrer para provar que existe.
