Por Gabriela Lopes
Hoje quero conversar sobre algo que todas nós já vivenciamos ou ainda estamos vivenciando: os desafios emocionais e profissionais do início da carreira advocatícia. Para nós, mulheres no Direito, essa jornada carrega nuances particulares que merecem nossa atenção e, principalmente, nossa compaixão.
Os Primeiros Passos: Entre o Sonho e a Realidade
Lembro-me dos meus primeiros dias como advogada recém-formada. A carteira da OAB ainda cheirava a novidade, mas o peso das responsabilidades já se fazia sentir nos ombros. É nesse momento que muitas de nós descobrimos que a faculdade, por mais completa que seja, não nos prepara completamente para a realidade do mercado jurídico.
Os primeiros anos são marcados por uma montanha-russa emocional: a euforia de conseguir os primeiros clientes se alterna com a ansiedade de não saber se estamos fazendo tudo certo. A pressão financeira se mistura com a pressão profissional, criando um coquetel que pode ser desafiador para nossa saúde mental e bem-estar.
A Transição Econômica: Quando o Investimento Começa a Render
Existe um momento na carreira jurídica que costumo chamar de “ponto de virada econômica”. Depois de anos investindo em conhecimento, networking e construção de reputação, os frutos finalmente começam a aparecer. Os honorários aumentam, os casos ficam mais complexos e interessantes, e nossa agenda começa a se preencher de forma mais consistente.
Mas aqui mora um paradoxo: justamente quando as coisas começam a dar certo, muitas advogadas se veem assombradas por uma voz interna que sussurra: “Você não merece isso” ou “É só questão de tempo até descobrirem que você não sabe o que está fazendo”.
A Síndrome da Impostora: Nossa Companheira Indesejada
A síndrome da impostora é especialmente cruel com mulheres na advocacia. Pesquisas mostram que nós, mulheres, tendemos a internalizar o fracasso e externalizar o sucesso, atribuindo nossas conquistas à sorte ou a fatores externos, enquanto assumimos total responsabilidade pelos erros.
No ambiente jurídico, isso se manifesta de várias formas:
Na audiência: Aquela sensação de que o juiz perceberá que você “não sabe tanto quanto deveria”, mesmo tendo se preparado exaustivamente.
Na reunião com cliente: O medo constante de que suas orientações não sejam suficientemente boas, mesmo quando fundamentadas em sólida base legal.
Na precificação: A tendência de cobrar menos do que seu trabalho vale, por achar que “ainda não é tão experiente assim”.
No networking: A sensação de ser uma fraude quando está entre colegas mais experientes, mesmo que seu conhecimento seja equivalente.
Por Que Isso Acontece Conosco?
A síndrome da impostora é particularmente presente entre profissionais que iniciam suas carreiras em ambientes competitivos como o Direito. Muitas vezes, acabamos sendo mais críticas com nós mesmas do que seríamos com colegas na mesma situação.
Essa autocrítica excessiva pode ter diversas origens: expectativas muito altas que colocamos sobre nós mesmas, comparações constantes com profissionais mais experientes, ou simplesmente a pressão natural de uma profissão que exige constante atualização e perfeição técnica. Essas vozes internas vão se formando ao longo da nossa jornada e se manifestam com mais força justamente nos momentos de maior desafio profissional.
Estratégias de Enfrentamento: Como Silenciar (ou Pelo Menos Baixar o Volume) da Voz da Impostora
1. Documente Suas Conquistas
Crie um arquivo (físico ou digital) onde você registra feedbacks positivos, casos bem-sucedidos, elogios de clientes. Nos momentos de dúvida, revisite esse material. Não é vaidade, é evidência.
2. Compartilhe Suas Inseguranças
Converse com outras advogadas sobre isso. Você ficará surpresa ao descobrir quantas mulheres brilhantes sentem exatamente o mesmo. A síndrome da impostora perde força quando deixa de ser um segredo solitário.
3. Ressignifique Seus Pensamentos
Quando a voz crítica aparecer dizendo “você não sabe o suficiente”, responda: “ainda estou aprendendo, e isso é normal e saudável em qualquer profissão”. Transforme o pensamento derrotista em uma afirmação de crescimento.
4. Celebre o Processo, Não Apenas os Resultados
Você se preparou bem para aquela audiência? Celebre, independentemente do resultado. Você estudou um tema complexo? Comemore esse esforço. A advocacia é uma maratona, não uma série de sprints.
5. Estabeleça Mentoria e Redes de Apoio
Ter uma mentora ou um grupo de colegas para trocar experiências faz toda diferença. Esses espaços nos lembram que não estamos sozinhas e que nossos desafios são compartilhados.
6. Pratique a Autocompaixão
Trate-se com a mesma gentileza que trataria uma colega em situação semelhante. Você perdoaria facilmente o erro de outra advogada, mas é implacável consigo mesma? É hora de equilibrar essa balança.
7. Questione os Padrões Impossíveis
Ninguém sabe tudo. Nem os advogados mais experientes. A perfeição não existe na advocacia (nem em lugar nenhum). O que existe é competência, dedicação e comprometimento em fazer o melhor trabalho possível – e isso você já tem.
O Lado Positivo (Sim, Existe Um!)
Embora a síndrome da impostora seja dolorosa, ela geralmente vem acompanhada de uma busca genuína por excelência. Advogadas que experimentam essa síndrome tendem a ser mais preparadas, mais cuidadosas e mais dedicadas. O segredo está em canalizar essa energia de forma saudável, sem deixar que ela se transforme em autossabotagem.
Uma Reflexão Final
Queridas colegas, a transição dos primeiros anos difíceis para a colheita dos frutos não significa que todos os desafios emocionais desaparecerão. Mas significa que, com o tempo, desenvolvemos ferramentas melhores para lidar com eles.
Lembrem-se: você passou no vestibular, sobreviveu à faculdade de Direito, foi aprovada no Exame da Ordem e está construindo uma carreira. Essas não são conquistas de alguém que “teve sorte” ou que “enganou o sistema”. São conquistas de alguém competente, dedicado e merecedor de estar exatamente onde está.
Que vozes escutam quando os desafios aparecem? Lembrem-se de que reconhecer a síndrome da impostora já é o primeiro passo para superá-la.
Nossa profissão é desafiadora, sim. Mas somos mais preparadas, competentes e merecedoras do que aquela voz crítica interna insiste em nos fazer acreditar. É tempo de celebrarmos não apenas nossos sucessos, mas também nossa coragem de persistir, nossa dedicação em aprender e nossa determinação em fazer a diferença no mundo jurídico.
A advocacia precisa de nós. E nós merecemos estar aqui.
