Síndrome da Impostora: por que nós, mulheres, duvidamos tanto de nós mesmas? Raízes emocionais e acolhimento das narrativas internas que sabotam mulheres 

Por Vanessa Damasio

Quantas vezes você já se pegou pensando “Será que eu realmente mereço estar aqui?”, mesmo tendo se dedicado, estudado e alcançado algo significativo? Esse sentimento de inadequação, tão comum entre mulheres, é conhecido como Síndrome da impostora – uma experiência psicológica marcada pela sensação persistente de que somos uma “fraude”, mesmo diante de evidências concretas de competência e valor. Não se trata de uma falta de capacidade real, mas de uma forma de autossabotagem silenciosa, que mina a autoestima, impede posicionamento e desgasta emocionalmente. E o mais importante: não é um problema individual, e sim uma ferida construída dentro de um contexto social, histórico e emocional. 

A expressão “SÍNDROME DA IMPOSTORA”, surgiu em 1978 através dos estudos das psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes, ao observarem mulheres com alta competência acadêmica e profissional que apresentavam uma sensação persistente de fraude, apesar de evidências objetivas de capacidade. Estas mulheres relatavam medo constante de serem “descobertas” como inadequadas, atribuindo suas conquistas a fatores externos como sorte, esforço excessivo ou circunstâncias favoráveis. 

Desde então, vários estudos apontam que este fenômeno é especialmente prevalente entre mulheres devido a fatores socioculturais, emocionais e cognitivos que atravessam a construção da identidade feminina. Dessa forma, a Síndrome da impostora não reflete ausência de competência, mas distorções na forma como a mulher percebe e valida seu próprio valor.  

A construção do sentimento de inadequação: da cultura ao afeto. Historicamente, as mulheres foram socializadas para o cuidado, recato e modéstia, enquanto a afirmação profissional e a visibilidade foram associadas ao masculino. Em vários contextos, o sucesso feminino é lido como exceção ou como algo que precisa ser justificado. Assim, ao ocupar espaços de protagonismo, muitas mulheres experienciam um conflito interno: ˜Eu posso estar indo longe demais˜. Além disso, no âmbito familiar, é comum que meninas cresçam sob modelos de comparação, cobrança de perfeição ou validação condicionada. Como aponta Jeffrey Young (2003), criador da Terapia dos esquemas emocionais, experiências precoces geram crenças centrais sobre identidade e valor pessoal. Entre os esquemas emocionais mais associados à Síndrome da impostora estão: Defectividade/vergonha (Há algo de errado em mim” – Dificuldade em receber elogios); Subjugação/silenciamento (“Não posso me destacar” – medo de se posicionar). Padrões inflexíveis (” Nunca é bom o suficiente” – exaustão e autocobrança”; Dependência/incapacidade (” Eu não dou conta sozinha” – insegurança diante dos desafios).

Esses modos de reação não surgem de fraqueza, mas de contextos de criação emocionalmente exigentes: famílias críticas ou comparativas, ambientes onde o amor e a aprovação são condicionados ao desempenho, vivências de desvalorização feminina. Ou seja, a Síndrome da impostora é muitas vezes a cicatriz de uma história onde você precisou se provar para sobreviver emocionalmente. 

O link entre o perfeccionismo, o ciclo da autossabotagem e a síndrome da impostora: faces da mesma ferida emocional. 

A Síndrome da impostora é alimentada por um ciclo emocional típico, muito estudado pela terapia cognitivo comportamental: meta elevada e perfeccionista, medo intenso de errar ou falhar, evitação, procrastinação ou esforço exagerado, conquista desqualificada – “foi sorte”, alívio momentâneo – insegurança retorna ainda maior. A cada ciclo sua mente grava “eu nunca sou suficiente”. 

Muitas mulheres acreditam que o perfeccionismo é sinônimo de excelência ou disciplina, mas na verdade, o perfeccionismo não nasce da busca pelo melhor, e sim do medo de não ser suficiente. O perfeccionismo é uma resposta emocional aprendida, cuja função é evitar a rejeição, crítica ou humilhação, ou seja: a mulher perfeccionista não está tentando “ser perfeita”. Ela está tentando não sentir vergonha. 

Na terapia dos esquemas o perfeccionismo é frequentemente parte do esquema de padrões inflexíveis e crítica exagerada (Young, 2003). Esse esquema faz com que a mulher sinta que nunca é suficiente, se compare constantemente, se cobre além do possível, viva com medo de falhar. E mesmo quando alcança algo importante, sente alívio por não ter sido “exposta”, ao invés de prazer e orgulho. 

Do ponto de vista da neurociência, ser reconhecida e se posicionar ativa áreas do cérebro relacionadas ao medo da rejeição. O cérebro, tentando “nos proteger”, prefere: Não se arriscar, não se mostrar, não ocupar espaços, mas aquilo que protegemos também deixamos de desenvolver. 

A importância da terapia no processo de “cura” da síndrome da impostora. A Síndrome da impostora não é apenas um conjunto de pensamentos negativos: ela é uma estrutura interna, construída ao longo da vida, que envolve crença sobre identidade, pertencimento, valor e amor. Por isso, sua transformação não acontece por força de vontade, frases motivacionais ou “pensamento positivo”. Ela precisa ser trabalhada em um contexto seguro, onde a mulher possa se ver, ser vista e se reconhecer sem máscaras. 

Quando estamos imersas em nossas narrativas internas, elas parecem verdades absolutas. Frases como: “eu não sou boa o suficiente”, “ eu só consegui porque tive sorte”, “uma hora vão perceber que eu não sei tanto”. não soam como pensamentos soam como fatos. E a terapia permite: observação dos padrões, ressignificação da história e reconstrução da identidade. Ou seja, a terapia ajuda a desfazer a ilusão de que essa voz crítica é a verdade”.

Em resumo, na psicoterapia cognitivo comportamental você aprende a identificar distorções cognitivas, questionar pensamentos automáticos, reestruturar crenças sobre competência e valor, registrar evidências reais de suas conquistas, romper o ciclo da auto sabotagem. (Beck, 1974) afirma que “não são os fatos que causam sofrimento, mas os significados atribuídos a eles“. 

Na terapia dos esquemas (Young, 2003) reconhece que a autocrítica interna não nasceu agora. Ela é resultado de experiências relacionais precoces. Na terapia dos esquemas o foco é identificar esquema dominante (exemplo defectivo atividade, padrões flexíveis, subjugação), tratar ferida emocional, desenvolver a voz adulta saudável que substitui a autocrítica punitiva. A cura não é apenas racional, é afetiva: não é apenas aprender a pensar diferente e aprender a se sentir diferente consigo mesma. 

Na neurociência as experiências emocionais repetidas em ambiente seguro reestruturam os circuitos neurais – processo conhecido neuroplasticidade. Quando a mulher é acolhida, validada e reconhecida na terapia o cérebro aprende que: crescer é seguro, errar é humano, ser vista não é ameaça. A terapia não muda só pensamentos ela muda o sistema nervoso como diz Gabor Maté (2021) “a cura não acontece em isolamento, a cura acontece na relação. “ 

Por fim, a terapia é importante, porque possibilita: identificar e ressignificar crenças, reduzindo autocrítica e dúvidas, reparentalização emocional através do desenvolvimento da auto compaixão, reestruturação cognitiva que aumenta autoconfiança realista, regulação Neuro fisiológica que diminui a ansiedade e o medo de se expor, construção de identidade saudável a mulher se reconhece, se autoriza. A terapia ensina a mulher a ocupar o próprio lugar, não o lugar permitido pelo mundo, mas o lugar que ela escolhe para si. 

Caminhos de “cura”: exercícios terapêuticos guiados. 

Reconhecendo a voz crítica e a voz Cuidadores (terapia dos esquemas). Objetivo: identificar a origem da autocrítica e desenvolver uma contraparte interna acolhedora. 

1. Feche os olhos por alguns segundos e perceba o diálogo interno. 2. Quando surgiu um pensamento como “você não é capaz o suficiente”, escreva exatamente como aparece na mente. 

3. Pergunte-se: “essa voz lembra alguém da minha história?“ (Pais, professores, irmãos, religião, sociedade, etc.) 

4. Agora, escreva ao lado uma nova resposta como se fosse dita por um adulto amoroso e estável: “você não precisa ser perfeita para ser digna. Eu estou aqui. Eu te vejo. Eu te reconheço. 

Esse exercício é o início da reparentalização, onde a mulher aprende a construir uma base interna de segurança emocional que antes foi externa. 

Diário de evidências concretas de competência (TCC). 

A síndrome da impostora faz o cérebro ignorar conquistas. Para corrigir isso, precisamos registrar e revisitar. Durante 14 dias, ao final do dia, escreva: algo que

você fez bem hoje; uma situação na qual você agiu com coragem; um elogio que você recebeu (mesmo que tenha minimizado na hora). 

Exemplo: “hoje, eu fui competente quando conduzia a reunião mesmo ansiosa”; “Hoje, eu fui corajosa quando pedi ajuda em vez de me calar.”; “Hoje, eu recebi reconhecimento quando disseram que meu trabalho fez diferença”. Releia tudo ao final da semana. O objetivo é reprogramar o cérebro e reconhecer evidências reais (neuroplasticidade baseada em repetição e foco intencional) 

A respiração que ensina ao corpo que crescer é seguro (neurociência). Quando nos colocamos em exposição, o sistema nervoso reage com hiper ativação (amígdala). Para que a reestruturação cognitiva funcione, o corpo precisa desligar o alarme. Use a técnica 4- 2 – 6: Inspire suavemente pelo nariz por 4 segundos, segura 2 segundos e respire lentamente pela boca por 6 segundos, como se soprasse uma vela. Repita por dois minutos. Essa respiração prolongada ativa o nervo vago que diz ao cérebro “está tudo bem”. Eu posso estar aqui.” Essa técnica não é relaxamento, é reprogramação de segurança. 

Exercício de identidade “ quem sou eu quando não estou tentando provar nada? “ 

Pegue o papel e escreva por três minutos sem parar, escrita automática. Responda: quem sou eu quando não estou tentando ser suficiente?; Do que eu realmente gosto?; Em quais momentos eu me sinto inteira? 

Esse exercício ajuda a mulher a diferenciar identidade de desempenho, o que é essencial para reduzir a autossabotagem. 

E para encerrar a síndrome da impostora não é um defeito: é um mecanismo de proteção apreendido em um mundo que ensinou mulheres a se diminuírem, mas hoje, você pode escolher: se ver com a gentileza, se reconhecer com mais verdade, se permitir crescer com mais liberdade. Você não está “enganando ninguém “. Você é o resultado de história, esforço, coragem e luz e está aprendendo a voltar para si. 

Lembrete: o caminho terapêutico não é “parar de se sabotar” é ensinar o corpo e a mente que crescer é seguro. E isso começa com: acolher a intenção da sabotagem, ela não quer te derrubar – ela quer te proteger. Quando surgir a procrastinação ou dúvida, diga: “obrigada por tentar me proteger, mas agora eu posso me proteger de outras formas”; Esse é o início da regulação emocional adulta. Troque “preciso ser perfeita” por “eu posso entregar o possível e não o impossível”. Ninguém se liberta da síndrome da impostora dizendo: “eu preciso ser mais confiante”, mas quando você aprende a se acolher na sua vulnerabilidade, validar a própria trajetória e se permitir ser humana. Confiança não é o ponto de partida, confiança é fruto de se permitir tentar. 

Nenhum exercício substitui o processo terapêutico. 

Com afeto, a Psicóloga Vanessa Damasio.

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